A Desconsideração da personalidade jurídica – O Caso Romário

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A Desconsideração da personalidade jurídica – O Caso Romário

No cenário jurídico atual vemos uma figura ilustre nos holofotes: o artilheiro Romário, o qual responde a diversos processos perante a justiça e que nos servirá de exemplo a ilustrar o quanto exposto no presente artigo.

É notório que a condenação imposta a uma empresa pelo poder judiciário, predominantemente na esfera trabalhista, que consista na satisfação de um crédito advindo de uma sentença condenatória, por mais ínfimo que seja o valor, é de provocar calafrios nos sócios desta.

Tais calafrios se dão tão somente devido ao medo derivado da insegurança jurídica gerada pelas constantes decisões de desconsideração da personalidade jurídica, o que significa que o patrimônio pessoal dos sócios responderá pelo crédito mencionado, de forma alternativa aos bens da própria empresa em si.

Uma simples ação de desconsideração da personalidade jurídica intentada contra o “Bingo Café do Gol”, do qual o referido jogador era sócio, por ter corrido à revelia, ou seja, sem nenhuma oposição apresentada, levou à penhora da cobertura do já referido jogador Romário em 12/08/2009.

Embora houvesse, ou houvessem, outros sócios, o mais ilustre destes e sempre sob os holofotes não é ninguém senão o polêmico “baixinho”, sendo levantadas todas as espécies de suspeitas em face deste e sendo o patrimônio deste alvo para o cumprimento da indenização intentada.

Esclareça-se que tal fato acontece porque, mesmo após uma simples tentativa frustrada de constituir bens, dentre os que se encontram disponíveis na empresa, diversos julgadores já tomam a empresa por insolvente, voltando as suas atenções para a imediata desconstituição da personalidade jurídica, de modo a garantir o crédito exeqüendo, custe o que custar.

Inobstante o desejo de realizar “justiça”, o que não entendemos ser justiça nem mesmo na forma social, não pode ocorrer a qualquer preço, sob pena de gerar a referida insegurança jurídica.

Por sua vez, cabe ponderar que, na ausência de manifestação da empresa quanto à indicação à penhora de bens disponíveis ou da efetiva garantia do juízo, bem como frente a argumentos (fundamentados) da parte contrária, ao jurisconsulto não caberá outra alternativa, senão a desconstituição da personalidade jurídica.

Em tais casos a referida desconstituição nos pareceria mais plausível, todavia, da mesma forma, tem que haver a necessária cautela de modo a não violar o direito à propriedade, princípio previsto no art. 5º, caput e inciso XXII da CF/88.

Como vimos, em não havendo a necessária guarda no que pertine ao direito à propriedade privada, restará violado ainda o direito constitucional previsto no art. 170, inciso II, cumprindo lembrar que, muito embora por vezes não se enxergue o sócio de uma empresa como um ser vivente, dotado de emoções e constituído de carne e ossos, este também é um de nós, seres humanos, e por que não dizer que também é um trabalhador?

A correta visão do empresário, ou da figura do sócio de uma empresa, deve ser melhor trabalhada no subconsciente coletivo, posto que este também deve ser visto como um trabalhador, embora não seja empregado este é um empreendedor, alguém que partiu do nada para constituir um patrimônio e levar também o bem estar social através dos empregos gerados pela sua iniciativa a outros, devendo o seu trabalho e a sua livre iniciativa serem valorizados da mesma forma que o de qualquer outro.

Outrossim, tendo em vista os argumentos trazidos, tal medida impositiva, encontra-se equatorialmente distante dos princípios da justiça, posto que, sem seguir um padrão, passa o poder judiciário a ter controle sobre propriedade particular, sem que, contudo, observeas necessárias particularidades de cada caso, ocorrendo, não raramente, o comprometimento das condições de sobrevivência do sócio de uma empresa.

Por exemplo, no caso hipotético de ser ordenada a chamada penhora online, tendo ocorrido a desconsideração da personalidade jurídica, se dando tal penhora na conta dos sócios da empresa, se apenas um destes possuir saldo positivo em sua conta bancária, estará então sujeito a ver bloqueado de suas contas até o limite do valor necessário para satisfazer o crédito surgido com a condenação.

No caso em tela, quanto ao nosso artilheiro, vemos na mídia que este não dispunha de valor algum a ser penhorado em suas contas bancárias, motivo pelo qual partiram para a fase de penhora de bens, como apartamentos, casas, veículos e etc.

Como supradescrito, tal medida toma lugar sem maiores delongas, sem a observância de qualquer princípio de proporcionalidade, muito menos do respectivo quinhão de cada sócio frente ao capital social da empresa, deixando assim os demais de responder pelo respectivo montante que lhes seria cabível, cumprindo ao lesado propor ação de regresso contra os demais sócios.

Ilustrando a matéria ventilada, destaque-se jurisprudência prolatada no último dia 11 de novembro, pela brilhante Relatora Min. Nancy Andrighi, muito bem pautada e refletida, do qual segue a ementa:

“DESCONSIDERAÇÃO. PERSONALIDADE JURÍDICA.

A controvérsia está a determinar se a simples inexistência de bens de propriedade da empresa executada constitui motivo apto à desconsideração da personalidade jurídica – o que, como é cediço, permite a constrição do patrimônio de seus sócios ou administradores. Explica a Min. Relatora que são duas as principais teorias adotadas no ordenamento jurídico pátrio: a teoria maior da desconsideração (consagrada no art. 50 do CC/ 2002) – é a mais usada –, nela mera demonstração da insolvência da pessoa jurídica não constitui motivo suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica, pois se exige a prova de insolvência ou a demonstração de desvio de finalidade (ato intencional dos sócios fraudar terceiros) ou a demonstração de confusão patrimonial (confusão quando não há separação do patrimônio da pessoa jurídica e de seus sócios). Já na outra, a teoria menor da desconsideração, justifica-se a desconsideração pela simples comprovação da insolvência de pessoa jurídica, e os prejuízos são suportados pelos sócios, mesmo que não exista qualquer prova a identificar a conduta culposa ou dolosa dos sócios ou administradores. Essa teoria tem-se restringido apenas às situações excepcionalíssimas. Na hipótese dos autos, a desconsideração jurídica determinada pelo TJ baseou-se na aparente insolvência da empresa recorrente, pelo fato de ela não mais exercer suas atividades no endereço em que estava sediada, sem, contudo, demonstrar a confusão patrimonial nem desvio de finalidade. Por isso, tal entendimento não pode prosperar, sendo de rigor afastar a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente. Diante do exposto, a Turma deu provimento ao recurso especial. REsp 970.635-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/11/2009.”

A par disso, podemos ver que em tese existem duas teorias principais a dar apoio à desconsideração da personalidade jurídica:
a teoria maior da desconsideração;
a teoria menor da desconsideração.

Na teoria maior, a qual é a mais usada, vemos que, para haver a efetiva desconsideração da personalidade jurídica, deve ser obrigatoriamente constituída prova de insolvência ou a demonstração de desvio de finalidade, ou ainda a demonstração de confusão patrimonial, ou seja, ausência de separação do patrimônio da pessoa jurídica do patrimônio particular de seus sócios.

Na teoria menor da desconsideração, a simples comprovação da insolvência de pessoa jurídica está apta a amparar a efetiva desconsideração, devendo assim ser os prejuízos suportados pelos sócios, mesmo que não exista qualquer prova a identificar a conduta culposa ou dolosa dos sócios ou administradores.

A Ministra ressalta ainda que a teoria menor da desconsideração tem-se restringido apenas às situações excepcionalíssimas, compartilhando e corroborando o nosso entendimento quanto à aplicação desta, haja vista que somente em situações de tal natureza deveria ocorrer a desconsideração em comento, sendo que não é qualquer situação, sem nenhuma prova ou evidência, que poderá dar causa e embasar a referida medida, ao contrário do que tem ocorrido cada vez mais, deixando de ser tal medida reservada de fato às situações excepcionalíssimas.

Sendo assim, em não havendo situação que justifique a aplicação do quanto discutido, não deverá haver a constrição de bens particulares dos sócios, tampouco de um único sócio, para a satisfação de uma dívida nascida em função da empresa, jamais deixando de lado o fato de que os sócios por sua vez também têm direitos a serem garantidos e que nem sempre um sócio participa do mesmo quinhão que os demais, como no caso em pauta, no qual o nosso brilhante jogador entrou com a fama e os investidores entraram com o capital, não havendo como sopesar de maneira justa e igualitária o real fluxo patrimonial e de capital de modo a alcançar-se a plena satisfação dos créditos advindos de uma sentença condenatória sem prejudicar os interesses e direitos dos demais.

fonte : http://www.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/MostraMateria.asp?page=&cod=372349

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